
Uma ideia de Liberdade Religiosa
Enviado por Renan Apolônio, de Olinda, Pernambuco
Neste breve artigo, compartilharei ideias gerais e conceituais, ideias pessoais, sobre a Liberdade Religiosa, formadas da leitura, de escutar muitas exposições sobre o tema, e inevitavelmente (embora não exclusivamente) influenciadas por A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, à qual amo e pertenço, porém sem ter a pretensão de falar em nome da Igreja.1O conteúdo oficial da Igreja pode ser encontrado em: Temas do Evangelho: Liberdade Religiosa: https://www.churchofjesuschrist.org/study/manual/gospel-topics/religious-freedom?lang=por
Começo pelo fundamento da Liberdade de Religião.
Todos os seres humanos compartilhamos em nossa essência uma natureza superior à de qualquer outro ser em todo o Universo. E todos temos a mesma dignidade, em igual medida. Tal superioridade é produto de nossa consciência, com instintos e emoções superiores às dos demais seres, e com pensamentos racionais — reflexivos, analíticos, críticos e autocríticos. Temos memória e cultura, e evoluímos culturalmente. E essa consciência nos impulsiona, nos obriga, a buscar sempre o que convém a ela, o que satisfaz nossa consciência (não só a nossos instintos). Muitas vezes nos equivocamos e nos enganamos nesta busca, mas somos sempre levados a buscar o melhor.
O problema é que todos somos igualmente diferentes, e cada um tem experiências e tendências inatas (muitas vezes sem ter qualquer controle sobre isso) que nos levam a crer em coisas distintas. Não há duas pessoas iguais, não há duas pessoas que tenham a mesma opinião, sempre, em todos os assuntos. É humanamente impossível.
Sempre, onde haja dois seres humanos, há sociedade, e como consequência disso, há diversidade, precisamente porque não há duas pessoas iguais.
Tomemos como exemplo a Adão e Eva, os dois primeiros humanos na terra, que não eram iguais. Não eram opostos, mas eram diferentes um do outro. E o Pai Celestial, logo depois de criar Adão e imediatamente antes de criar Eva, disse “não é bom que o homem esteja só”. Em outras palavras, “é bom que o homem viva em sociedade”, “é bom que haja diversidade”.
E essa diversidade inclui a diversidade religiosa. Desde o tempo do Éden, com tão somente dois seres humanos na terra, havia diversidade religiosa. Adão e Eva eram diferentes em sensibilidades, tendências emocionais e intelectuais, em afinidades e também em experiências religiosas. Não é por casualidade que cada um tenha decidido aceitar comer do fruto em diferentes situações.
Contudo, apesar de que todos os seres humanos somos necessariamente diferentes uns dos outros, isto não significa que devemos viver em desigualdade. Ser diferente em ideias, opiniões, crenças, gostos, etc. não apaga a igualdade essencial que existe entre todos nós — todos somos igualmente dignos e divinos, Filhos e Filhas de um mesmo Pai e uma mesma Mãe Celestiais.
E como todos somos igualmente dignos, também somos igualmente livres.2O Artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos reconhece que: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir … Continue reading Todos possuímos o mesmo tipo de instinto e razão, mas cada um tem uma essência espiritual própria, que é impossível de copiar. Portanto, somos e devemos ser permanentemente livres. Livres para escolher o que fazer, o que e em quem crer, o que comer, em quem confiar. O que vestir. Isto não significa que não haja bem ou mal, nem que não haja boas e más escolhas, mas somos livres para tomar essas decisões, pois, como diz Shakira em uma de suas canções: “Eu sou quem escolhe como equivocar-me”.
Ou, como disse o professor José Luiz Delgado: “A liberdade não é mais que a possibilidade, para cada um, de realizar-se a si mesmo, de definir seu destino, ser o protagonista de sua própria história pessoal, conceber e realizar seu próprio projeto.”3DELGADO, José Luiz. Curso de Direito Natural. Curitiba: Juruá, 2018. p. 96-97.
Isto se traduz em um direito fundamental e em um dever fundamental. Todos somos igualmente livres e, portanto, todos temos o mesmo direito a exercer essa liberdade. Mas também temos o dever de respeitar todos os demais no exercício desse mesmo direito.
E todo o drama da história humana tem a ver com isto: por um lado, o dever de respeitar as escolhas e crenças dos demais, e por outro lado, o direito a que minhas crenças e escolhas também sejam respeitadas.
Há um ditado que diz “seu direito termina quando começa o dos outros”. O problema é decidir qual é o limite, onde está o ponto de equilíbrio entre os direitos e os deveres que todos temos. Tudo seria muito mais fácil se não fôssemos iguais, ou se nem todos tivessem que ser livres, e sempre há aqueles que buscam anular a liberdade e/ou a igualdade.
E aí é onde surge a necessidade de um direito (positivo, normativo) à liberdade religiosa. É necessário que haja leis e normas na sociedade, que estabeleçam as regras básicas de convivência social e que protejam a Liberdade Religiosa, o respeito ao direito e o dever que todos temos em relação a essa Liberdade. As leis devem servir de marco comum, no qual todos teremos um caminho seguro por onde nos guiar no convívio social, sem ficarmos dependentes do que cada um entenda como correto.
O direito à Liberdade Religiosa não deriva, como já dito, de nenhum poder ou autoridade social, constituída ou por constituir se. A Liberdade Religiosa, a igual que todas as demais Liberdades, tem fundamento na natureza humana – na dignidade, na igualdade e na liberdade em si mesma. O Direito Positivo (posto ou imposto pela autoridade estatal) deve reconhecer as liberdades fundamentais, com garantias constitucionais e legais, e, além disso, fica impedido de criar qualquer norma ou ato contra as liberdades humanas.
A Constituição deve reconhecer o direito à Liberdade Religiosa. Os Tratados Internacionais, devem reconhecer o direito à Liberdade Religiosa.4Do direito internacional, destaco o Artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; esse direito inclui … Continue reading As leis internas de cada nação, devem proteger a esses direitos e punir sua violação – no âmbito civil, trabalhista, penal, eleitoral, administrativo, tributário, processual, etc. Não sendo assim, o direito positivo estará traindo sua função mais importante, precisamente a de ordenar a sociedade, buscando o equilíbrio, o respeito, a igualdade e a dignidade humana.
É importante dizer que os direitos que pertencem à Liberdade Religiosa se dividem em dois grandes grupos: direitos de Liberdade de Crença e direitos de Liberdade de Culto.
A Liberdade de Crença significa “a liberdade de escolher sua própria crença por opção e não por imposição. O que inclui a liberdade de não ser religioso, a liberdade de ser ateu”.5DELGADO, José Luiz. Curso de Direito Natural. Curitiba: Juruá, 2018. p. 97-98. Esse direito, de escolher sua crença, de acreditar em algo, e de escolher ou poder acreditar no que for (já que nem sempre crer é só uma escolha), é uma liberdade absoluta, uma vez que se pratica no íntimo do ser humano.
Porém, a Liberdade de Crença também inclui o direito de compartilhar sua crença, ou seja, levar a conhecimento do público o que crê, e falar de suas crenças aos demais, e convidá-los a conhecer e aderir a sua religião, e também o direito de ouvir a pregação dos demais. E, por justiça, inclui também o direito de não fazer nada disso. Essa liberdade, que implica relações interpessoais, não é absoluta, e cada sistema jurídico deve decidir, democraticamente, quais limites deve estabelecer a esses direitos, para evitar abusos e proteger a liberdade.
Por sua parte, a Liberdade de Culto, exterior ao indivíduo, permite “praticar o culto de sua religião”6DELGADO, José Luiz. Curso de Direito Natural. Curitiba: Juruá, 2018. p. 97-98., quer dizer, é a faculdade de aderir a algum grupo e/ou organização religiosa (e criar seu próprio culto), e também a liberdade de não participar de um grupo ou organização; o direito de praticar e de não praticar suas crenças religiosas, em privado e publicamente, em cerimônias e rituais, com o uso de indumentárias, acessórios, com a abstenção de certas práticas em dias específicos, ou todos os dias, etc.
Em resumo: o direito a reger sua vida segundo suas crenças deve ser o mais livre possível. Respeitando, claro, as crenças dos demais e a outros direitos fundamentais, já que não é absoluto. Esse aspecto da Liberdade de Religião tem tudo a ver com a liberdade de manifestação, de reunião, de associação e organização, etc.
Para encerrar, devemos que recalcar que as boas leis devem ser aceitas pelo conjunto da sociedade, que quase sempre fala por meio de representantes eleitos democraticamente, como parte do exercício legítimo do arbítrio e da expressão da razão geral da sociedade, que resulta do debate público, ou seja, do diálogo exaustivo entre representantes eleitos democraticamente, representantes de instituições sociais, e outros membros da sociedade.
Referências
1 | O conteúdo oficial da Igreja pode ser encontrado em: Temas do Evangelho: Liberdade Religiosa: https://www.churchofjesuschrist.org/study/manual/gospel-topics/religious-freedom?lang=por |
---|---|
2 | O Artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos reconhece que: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.” |
3 | DELGADO, José Luiz. Curso de Direito Natural. Curitiba: Juruá, 2018. p. 96-97. |
4 | Do direito internacional, destaco o Artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto em público ou em particular.” A Declaração contém outras normas que protegem a diversidade religiosa, e pode ser consultada em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos |
5 | DELGADO, José Luiz. Curso de Direito Natural. Curitiba: Juruá, 2018. p. 97-98. |
6 | DELGADO, José Luiz. Curso de Direito Natural. Curitiba: Juruá, 2018. p. 97-98. |