Lentes espirituais

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No ano de 1979 eu tinha 7 anos de idade e, devido do trabalho de meu pai, morávamos no interior de Minas Gerais. Aquele ano foi cheio de experiências novas para mim. Pela primeira – e única – vez eu presenciei uma enchente inundar casas e desabrigar famílias inteiras e também um integrante do Corpo de Bombeiros morrer em ação, na tentativa de resgatar os corpos de uma família cujo veículo havia caído de uma ponte, afundando em um rio com águas barrentas e forte correnteza. Aquilo foi triste e permaneceu em minha memória. Mas ocorreram coisas alegres também. Pela primeira vez meu pai comprou um carro, um Fusca verde abacate e ainda posso sentir o cheiro do interior daquele automóvel. Pela primeira vez eu entrei em uma piscina e também joguei bola em uma quadra de esportes. Pela primeira vez eu fui à escola, à “primeira série”, muito empolgado, como toda criança fica neste momento. Todas estas lembranças me acompanham há 40 anos!

Porém há outra experiência daquele ano que permaneceu comigo e, de certa forma, se tornou parte de mim. Logo nos primeiros dias na escola, a professora percebeu algo diferente em mim. Eu apertava e esfregava os olhos, que lacrimejavam muito, e até me mudei para a carteira da frente, mas ainda assim não conseguia entender tudo o que ela escrevia no quadro. Após uma conversa da professora com meus pais, fui levado ao oftalmologista e ganhei meu primeiro par de óculos!

Fui diagnosticado com miopia, hipermetropia e astigmatismo. Em linhas gerais, quem tem miopia tem uma visão fora de foco para tudo o que está mais distante. Quem tem hipermetropia tem uma visão fora de foco para tudo o que está mais próximo. Quando dois ou mais pontos de focalização são formados no olho, isto é o astigmatismo, e isto ocorre quando a pessoa tem miopia e hipermetropia ao mesmo tempo, que é o meu caso. Isto significa que eu não enxergo bem nem o que está próximo de meus olhos, e nem o que está distante dos meus olhos. Há uma espécie de “nevoeiro”, que impede a clareza na percepção das imagens, além de que as imagens podem ser duplas. É como se faltasse foco e a visão ficasse borrada.

Aprendi que, na vida, também sofremos com problemas na nossa visão das coisas espirituais. Podemos ter “miopia espiritual”, que é a dificuldade de enxergar as bênçãos futuras prometidas, e “hipermetropia espiritual”, que é a dificuldade de enxergar as bênçãos que estão bem diante de nossos olhos. Geralmente isso gera um “astigmatismo espiritual”, que é uma espécie de “nevoeiro”, que impede a clareza na percepção das coisas do Senhor e uma visão dupla das situações, que nos dificulta saber o que é o certo a fazer.

Assim como para os problemas de visão física, precisamos de auxílio para resolver os problemas de visão espiritual. Precisamos de “óculos espirituais”, que nos ajudem a corrigir estas deficiências e termos o foco ajustado, para uma visão clara e nítida do que realmente importa. O Senhor colocou à nossa disposição “lentes especiais” que nos ajudarão a ajustar nossa visão e focar naquilo que é excelente. Gostaria de abordar três dessas lentes. Antes, é importante lembrar que, embora todos tenhamos algum tipo de deficiência de visão espiritual, assim como nos problemas da visão física os graus são diferentes para cada pessoa. É importante que cada um, em consulta com o “Mestre que Cura”(1), faça uma avaliação correta de suas necessidades pessoais de ajustes em sua visão espiritual.

A lente da obediência

“A obediência é a primeira lei do céu”(2) porque todas as demais leis, todos os mandamentos, todas as ordenanças, todos os convênios e tudo o mais são alicerçados na obediência. A obediência é uma das lentes para aperfeiçoamento da nossa visão espiritual porque ela “possibilita-nos ser receptivos à mente e vontade do Senhor”.(3) Se sermos obedientes nos faz ver melhor, o contrário também é verdadeiro, como ensinou o Presidente Boyd K. Packer ao afirmar que “não somos obedientes porque somos cegos; somos obedientes porque vemos”.(4)

Mas, como obedecemos? O Senhor requer de nós a obediência exata! Quando pagamos o dízimo, obedecemos. Quando pagamos o dízimo com fé e um coração alegre e agradecido, obedecemos com exatidão. Quando vamos à Igreja no domingo pela manhã, obedecemos. Quando guardamos o Dia do Senhor durante todo o domingo, nos abstendo de práticas e conversas sobre assuntos não condizentes com o caráter sagrado deste Dia Santo, obedecemos com exatidão. “A obediência traz sucesso; obediência exata traz milagres”(5), disse o Presidente Russell M. Nelson.

Outro aspecto da obediência é a quem obedecemos. Demonstramos nossa obediência ao Senhor quando obedecemos a Ele por meio da obediência àqueles que Ele designou para nos guiar em Seu nome. A respeito da eficácia da Sua palavra e da nossa atitude em relação a ela, Ele afirmou que “seja pela [Sua] própria voz ou pela voz de [Seus] servos, é o mesmo.”(6) Quem rejeita o mensageiro, rejeita a mensagem e quem a enviou, como ensinou o próprio Salvador Jesus Cristo: “Quem vos ouve a vós, a mim me ouve; e quem vos rejeita a vós, a mim me rejeita; e quem a mim me rejeita, rejeita aquele que me enviou.”(7) O Guia para Estudo das Escrituras diz que ser digno é “ser pessoalmente reto e ser aprovado diante de Deus e de Seus servos designados.”(8) Aquele que acredita que poderá alcançar o Reino Celestial rejeitando os líderes chamados pelo Senhor neste mundo, talvez tenha uma desagradável surpresa no último dia.

Certa vez, um irmão que estava zangado com líderes da Igreja, ao perceber que encontraria em mim um porto seguro para suas agressões aos servos do Senhor, me acusou de ser subserviente aos líderes, e até usou termos grosseiros para afirmar isso. Afirmei a ele que minha atitude ao seguir os líderes chamados pelo Senhor não era de subserviência, mas de obediência. Anos se passaram, e infelizmente ele deixou a Igreja. Felizmente, eu permaneço aqui, e com um testemunho e desejo de servir ainda maiores.

A lente do serviço

Costumo dizer que quem não serve, não serve. Você serve? Não me refiro ao seu chamado ou designação na Igreja. Nesse ambiente, você sabe o que tem que fazer e o que se espera de você porque isto lhe foi dito. Eu me refiro ao serviço pessoal, por iniciativa própria. Às vezes, esperamos ser “compelido[s] em todas as coisas”(9), quando devemos “fazer muitas coisas de [nossa] livre e espontânea vontade”(10). O Senhor foi muito claro quando disse que “o que nada faz até que seja mandado (…) é condenado”.(11) O serviço é uma lente especial do ajuste da nossa visão espiritual, porque é a doação de nosso esforço pessoal, seja físico, intelectual ou de que natureza for. Este tipo de serviço, com motivação espontânea e real doação pessoal é o verdadeiro serviço abnegado. Podemos encontrar ou mesmo criar inúmeras oportunidades de serviço, deixando de lado a ideia de que prestar serviço tem sempre que dizer respeito a trabalho braçal ou para suprir necessidades temporais. Para encontrar ou criar oportunidades de serviço, use suas habilidades, seus talentos e seus dons espirituais.

Há quase um ano, após terminar um discurso em uma reunião sacramental, algumas pessoas se aproximaram de mim para agradecer pela mensagem dada. Uma dessas pessoas pediu para levar o discurso impresso que estava em minhas mãos, para estudar mais em casa. Agradeci os elogios generosos e, com certa relutância, entreguei os papéis que tinha com o discurso. Embora isso já houvesse acontecido antes, eu não queria que parecesse algo pretensioso, que demonstrasse qualquer tipo de orgulho pessoal. A irmã que pediu o texto me disse que, lendo, poderia buscar as escrituras citadas e aprender mais, poderia ponderar com mais tempo que os poucos minutos da reunião sacramental e, assim, aprender mais sobre o assunto. Entendi, então, que ouvir a mensagem era bom, mas ler a mensagem era ainda melhor. Naquele dia, me senti inspirado a colocar todas as minhas mensagens – e também as de quem quisesse ceder as suas -, além de notícias da Igreja, disponíveis para leitura em um blog. E criei este blog Estandarte da Liberdade!

O objetivo do blog é divulgar a verdade do evangelho de Jesus Cristo, para membros e amigos. Esta foi uma oportunidade de servir que criei a partir das palavras daquela irmã. Eu esperava apenas ajudar a divulgar o evangelho para membros e amigos da minha cidade, e alguns outros do meu círculo de amizade que moram em outros lugares. Mas eles compartilharam com outros e me pediram para que eu compartilhasse nas redes sociais, para que mais pessoas lessem. Logo percebi o quanto as pessoas buscam conteúdo positivo, confiável e que possam compartilhar com absolutamente todos da família, sem restrições ou receios, e que esse conteúdo ajuda a aumentar sua fé e testemunho. O blog ainda não completou um ano, mas já tem mais de 300 mil visualizações e já foi acessado por pessoas de 95 países de todos os continentes. São mais de 130 mil leitores só no Brasil.(12) Como foi bom ter seguido a inspiração e assim poder servir a tantas pessoas!

A lente dos dons espirituais

Se uma pesquisa for feita entre os membros da Igreja, com a seguinte pergunta: “O que um membro de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias possui que uma pessoa que não seja membro da Igreja não possui?”, entre as respostas certamente estariam a autoridade sacerdotal, as ordenanças vicárias, e o casamento válido para além desta vida. Porém, dificilmente seriam citados os dons espirituais. Isto tem uma explicação: grande parte dos membros da Igreja não conhece a respeito dos dons espirituais e, como a maiorias dos cristãos professam possuí-los, acreditam que isto está certo.

Há alguns anos, uma dupla de missionários esteve em minha casa para pedir que eu os ajudasse a compreender sobre estes dons. Eles disseram que estavam ensinando uma mulher que alegava possuir o “dom da cura” e que havia relatos sobre curas que ela havia realizado por este “dom.” Esta mulher conhecia outras pessoas que alegavam possuir outros dons espirituais. Após ouvi-los fazerem este relato, eu perguntei a eles se aquela mulher havia sido batizada e confirmada por um portador autorizado do sacerdócio em A Igreja de jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, para o recebimento do dom do Espírito Santo. Eles responderam que ela não havia recebido estas ordenanças, nem o dom do Espírito Santo. Então, eu lhes expliquei que, sendo assim, de modo algum o “dom” que ela alegava possuir poderia vir do Espírito e que nenhum dos feitos praticados por ela, em razão deste “dom”, eram originados no Espírito Santo.

O Profeta Joseph Smith ensinou: “Cremos que atualmente se desfruta do dom do Espírito Santo tão amplamente como nos dias dos apóstolos; cremos que (o dom do Espírito Santo) é necessário para constituir e organizar o Sacerdócio, e que, sem ele, ninguém pode ser chamado para ocupar um cargo no ministério; também cremos em profetas, em línguas, em visões, revelações, dons e curas, e que não se podem receber essas coisas sem o dom do Espírito Santo.”(13)

Ao ler isto, talvez pensemos nas muitas pessoas que tiveram visões, revelações e várias outras manifestações espirituais antes de serem batizadas e receberem o dom do Espírito Santo. Bem, sobre isso o Presidente Dallin H. Oaks ensinou: “O Espírito de Cristo é dado a todos os homens e mulheres para que eles saibam o bem do mal, e manifestações do Espírito Santo são dadas para levar os mais sinceros buscadores ao arrependimento e ao batismo. Estes são dons preparatórios. O que chamamos de dons espirituais vêm a seguir. Os dons espirituais vêm para aqueles que receberam o dom do Espírito Santo. Como o Profeta Joseph Smith ensinou, os dons do Espírito ‘são obtidos por esse meio’ [o Espírito Santo] e ‘não podem ser desfrutados sem o dom do Espírito Santo. (…) O mundo em geral nada pode saber sobre eles.’”(14)

Os dons do Espírito são uma das lentes para aperfeiçoamento da nossa visão espiritual porque eles “podem nos levar a Deus. Eles podem nos proteger do poder do adversário. Eles podem compensar nossas inadequações e reparar nossas imperfeições. Há quase um século, o Presidente George Q. Cannon, da Primeira Presidência, ensinou aos santos: ‘Se algum de nós for imperfeito, é nosso dever orar pelo dom que nos tornará perfeitos. (…) Ninguém deveria dizer: ‘Oh, eu não posso evitar isso; é minha natureza.’ Isso não se justifica, pela razão que Deus prometeu dar forças para corrigir essas coisas e dar dons que as erradiquem. Se um homem não tem sabedoria, é seu dever pedir sabedoria a Deus. O mesmo com tudo o resto. Esse é o desígnio de Deus em relação à Sua Igreja. Ele quer que Seus santos sejam aperfeiçoados na verdade. Para esse propósito, Ele dá esses dons e os concede àqueles que os procuram, a fim de que possam ser um povo perfeito sobre a face da terra.’”(15)

Todos os membros da Igreja podem receber dons espirituais, embora eles “não [venham] de forma visível, automática e imediata a todos os que receberam o dom do Espírito Santo.”(16) O Élder Bruce R. McConkie declarou: “No que diz respeito às coisas espirituais, no que diz respeito a todos os dons do Espírito, com referência ao recebimento de revelação, à obtenção de testemunhos e a ter visões, em todos os assuntos que pertencem à piedade e santidade e que são trazidos como resultado da retidão pessoal em todas essas coisas, homens e mulheres estão em uma posição de absoluta igualdade diante do Senhor. Ele não faz acepção de pessoas nem de sexo, e abençoa aqueles homens e mulheres que o buscam, o servem e guardam seus mandamentos.”(17)

O Profeta Joseph Smith ensinou que “exige[-se] tempo e circunstâncias para colocar esses dons em operação.”(18) Devemos desejar e buscar “com zelo os melhores dons”(19), mas não devemos procurar os dons como sinais para desenvolver nossa fé. Ao contrário, “os dons espirituais estão evidentemente entre os ‘sinais [que] seguirão aos que crerem’, (…) [pois] o Espírito Santo ‘se manifesta aos filhos dos homens de acordo com sua fé.’”(20) Quando buscamos sinceramente os dons espirituais e os colocamos em ação, nós nos aperfeiçoamos. Os dons espirituais ativos em nós nos levam a um patamar elevado de espiritualidade e compreensão do evangelho.

Como disse o Presidente Oaks, “devem[os] concentrar-[nos] no que é excelente”(21). Para isso, devemos estar “com os olhos fitos na glória de Deus”(22), com uma visão perfeita, com foco ajustado. A lente da obediência (exata), a lente do serviço (abnegado) e a lente dos dons espirituais (ativos) são essenciais para nos ajudar a ver com mais nitidez o caminho do convênio.

Referências:

(1) Presidente Russell M. Nelson, “Jesus Cristo — O Mestre que Cura”, Conferência Geral, outubro de 2005.
(2) Joseph F. Smith, “Discurso”, Deseret News, 12 de novembro de 1873, p. 644.
(3) Élder Joseph B. Wirthlin, Conference Report, outubro de 1995, p. 101, ou Ensign, novembro de 1995, pp. 75–76.
(4) Presidente Boyd K. Packer, “Agency and Control”, Ensign, maio de 1983, p. 66.
(5) Presidente Russell M. Nelson, Transmissão para Missionários nos CTMs, novembro de 2013.
(6) D&C 1:38.
(7) Lucas 10:16.
(8) Guia para Estudo das Escrituras, “Dignidade, Digno”.
(9) D&C 58:26.
(10) D&C 58:27.
(11) D&C 58:29.
(12) Google Analitycs, 21 de setembro de 2019.
(13) Ensinamentos do Profeta Joseph Smith, comp. Joseph Fielding Smith, Salt Lake City: Deseret Book Co., 1938, pp. 237, 239.
(14) Presidente Dallin H. Oaks, “Spiritual Gifts”, Ensign, setembro de 1986.
(15) Presidente Dallin H. Oaks, “Spiritual Gifts”, Ensign, setembro de 1986.
(16) Presidente Dallin H. Oaks, “Spiritual Gifts”, Ensign, setembro de 1986.
(17) Élder Bruce R. McConkie, A Liahona, janeiro de 1979, p. 61.
(18) Ensinamentos do Profeta Joseph Smith, comp. Joseph Fielding Smith, Salt Lake City: Deseret Book Co., 1938, pp. 238, 240.
(19) D&C 46:8.
(20) Presidente Dallin H. Oaks, “Spiritual Gifts”, Ensign, setembro de 1986.
(21) Presidente Dallin H. Oaks, “Bom, Muito Bom, Excelente”, Conferência Geral, outubro de 2007.
(22) D&C 4:5.


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