
A língua dos anjos
Como comunicador, tenho a oportunidade de entrevistar pessoas. Antes de iniciar as entrevistas, observo para descobrir se as pessoas estão confortáveis, tensas ou preocupadas, por exemplo, e tentar ajudá-las, dizendo algo que as faça relaxar e se sentirem confiantes. Muitas dessas pessoas ficam tensas e preocupadas por falar – alguns pela primeira vez – ao vivo em um programa, mas, geralmente (e paradoxalmente) elas estão confortáveis, porque falarão sobre o que conhecem: o evangelho de Jesus Cristo.
Como consigo descobrir o que as pessoas estão sentindo? Pela “leitura” de certos elementos pessoais delas, como a postura, os gestos e o olhar. Um desses elementos pessoais, porém, destaca-se: a linguagem. Podemos conhecer uma pessoa pelo que ela fala e pelo modo como ela fala. O dramaturgo e poeta inglês Ben Jonson disse: “A linguagem é o que mais expõe o homem. Fala, para que eu possa te ver.”1Algernon Swinburne, A Study of Ben Jonson, org. Sir Edmund Gosse e outros, 1926, p. 120, citado por Élder Douglas L. Callister, Nosso Refinado Lar Celestial, A Liahona, junho de 2009
O Guia para Estudo das Escrituras diz que “a maneira como usamos a linguagem demonstra o que sentimos em relação a Deus e às outras pessoas.”2Guia para Estudo das Escrituras, Linguagem E é este mesmo Guia que nos alerta que “os santos devem controlar a língua, ou seja, sua forma de falar.”3Guia para Estudo das Escrituras, Língua
O cuidado com a nossa linguagem existe desde o nosso Pai Adão. As escrituras mostram que Adão tinha uma “linguagem que era pura e impoluta.”4Moisés 6:6 Para que nossa linguagem seja pura e impoluta como a de Adão, é nosso dever cuidar do que falamos e de como falamos, livrando a nossa linguagem do que é indesejável e acrescentando à nossa linguagem o que for “virtuos[o], amável, de boa fama ou louvável”5Regras de Fé 1:13. O Élder Douglas L. Callister ensinou que “vamos sentir-nos mais à vontade na presença do Pai Celestial se tivermos desenvolvido bons hábitos em nosso modo de falar.”6Élder Douglas L. Callister, Nosso Refinado Lar Celestial, A Liahona, junho de 2009, extraído de um discurso devocional proferido na Universidade Brigham Young em 19 de setembro de 2006.
Entre as coisas que devemos remover da nossa linguagem está a profanidade, que “é o desrespeito ou menosprezo pelas coisas sagradas, [incluindo] o uso casual ou irreverente do nome de qualquer um dos membros da Trindade. Sempre devemos usar o nome do Pai Celestial, de Jesus Cristo e do Espírito Santo com reverência e respeito. O uso indevido desses nomes é pecado.”7Tópicos do Evangelho, Profanidade
Também devemos buscar eliminar as gírias ou expressões que demonstrem pouco cuidado ou respeito para com o nosso idioma. Há palavras e expressões tão belas de serem ditas, mas, por preguiça de aprendê-las ou vergonha de usá-las (para não parecer diferente da maioria ou “antiquado”), muitos preferem adotar palavras inadequadas, exageradas ou que chamam a atenção por sua irreverência.
Como afirmou o Élder Callister, “Deus fala todas as línguas de modo adequado. Ele usa uma linguagem recatada e comedida. Quando Deus descreveu o grande processo da criação desta Terra, Ele disse de modo comedido que ela ‘era boa’. Ficaríamos desapontados se Deus tivesse usado expressões exageradas como ‘super maneiro’ ou coisas semelhantes.”8Élder Douglas L. Callister, Nosso Refinado Lar Celestial, A Liahona, junho de 2009, extraído de um discurso devocional proferido na Universidade Brigham Young em 19 de setembro de 2006.
Do mesmo modo, não é possível imaginar alguém entrando no reino celestial e, admirado com a beleza e glória daquele lugar santificado, comentasse com algum anjo que estivesse passando: “E aí, velho! Maneiro isso aqui… tipo.. muito maneiro mesmo!” A verdade é que tal cena jamais poderá acontecer, pois o refinamento da nossa linguagem é parte do processo de refinamento pessoal ao qual devemos nos submeter para nos tornarmos “perfeitos, como é perfeito o [nosso] Pai que está nos céus”9Mateus 5:48. Devemos aprender e praticar, aqui, uma linguagem mais elevada.
Outro ponto que podemos melhorar em nossa linguagem: a forma como nos dirigimos às pessoas. Podemos descobrir a natureza do relacionamento entre duas pessoas pela forma como elas falam uma com a outra. Vejamos este exemplo da vida pessoal do Presidente Dallin H. Oaks: “Quando jovem, aprendi que todos devíamos grande respeito aos que ocupam o cargo de bispo. Como sinal desse respeito, sempre nos dirigíamos a nosso bispo como ‘Bispo Christensen’ ou ‘Bispo Calder’ ou ‘Irmão Jones’. Nunca o chamávamos por ‘Sr.’ ou por seu primeiro nome, como fazíamos com outras pessoas. (…) Mais tarde, entendi que esse mesmo raciocínio explica por que os missionários de tempo integral devem sempre ser chamados por seus honrados títulos de élder ou sister. (…) O uso de títulos denota respeito pela posição e autoridade.”10Presidente Dallin H. Oaks, A Linguagem da Oração, Conferência Geral de Abril de 1993
Ao tratar aqui sobre termos uma linguagem “pura e impoluta”, refinada no conteúdo e na forma, não quero deixar a ideia de que estou pregando a soberba ou o requinte fútil no falar. A simplicidade, a espontaneidade, o bom humor e a descontração fazem parte da nossa linguagem e, quando usados no momento e modo adequados, são parte importante de uma comunicação espiritual e emocionalmente saudável.
Na verdade, como ensinou o Élder Douglas L. Callister, ”o refinamento ao falar é mais do que eloquência requintada. É resultado da pureza de pensamento e sinceridade de expressão. Às vezes, na oração de uma criança, ouvimos a linguagem do céu refletida mais facilmente do que em um monólogo de Shakespeare.”11Élder Douglas L. Callister, Nosso Refinado Lar Celestial, A Liahona, junho de 2009, extraído de um discurso devocional proferido na Universidade Brigham Young em 19 de setembro de 2006.
Sobre orações e crianças, o Senhor ensinou aos pais que eles “ensinarão seus filhos a orar”12Doutrina e Convênios 68:28. E, no que diz respeito à linguagem, como devemos orar? O Manual Geral da Igreja apresenta a seguinte diretriz sobre a linguagem que devemos usar em nossas orações: “(…) Os membros devem orar usando palavras que expressem amor e respeito pelo Pai Celestial. Em português, devemos usar os pronomes Tu, Te, Teu, Tua, Teus, Tuas ou Vós, Vos, Vosso e Vossa ao nos dirigirmos ao Pai.”13Manual Geral: Servir em A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, 29.6 – Orações nas reuniões da Igreja
Infelizmente, parece que, para alguns, o uso desses pronomes em relação à Deidade perdeu o sentido em nosso tempo. Infelizmente, não é raro vermos pessoas dirigirem-se ao Senhor, em textos, em músicas e mesmo em orações, chamando-o de “você”. Não tratamos um Deus por “você”. Jamais!
Como brasileiro, sou nativo da língua portuguesa. Logo, é meu dever conhecer e usar meu idioma corretamente. O mesmo se aplica aos americanos, chineses, franceses e espanhóis, sobre seu próprio idioma. Não estou dizendo que devemos todos nos tornar linguistas. Estou dizendo que devemos procurar aprender a usar ao menos o básico da norma culta do nosso idioma, o suficiente para que possamos nos dirigir corretamente ao nosso Pai Celestial em oração.
Na verdade, já fazemos isso quando cantamos os hinos, que são “uma prece [ao Senhor]”14Doutrina e Convênios 25:12. Por exemplo:
“Careço de Jesus!
De ti, ó meu Senhor;
Somente a tua voz
Tem para mim valor.”15Hinos de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, 61 – Careço de Jesus
Ou
“Salvador, eu quero amar-te,
Em tua senda quero andar,
Socorrer o irmão aflito,
Minha força em ti buscar.
Salvador eu quero amar-te
Sim, eu te seguirei.16Hinos de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, 134 – Sim, Eu Te Seguirei
É claro que tudo que exige um esforço um pouco maior de nosso corpo ou da nossa mente, provoca uma inicial preocupação sobre se seremos capazes de fazê-lo. Sobre isso, o Presidente Dallin H. Oaks nos disse: “Talvez alguns (…) já estejam dizendo: ‘Mas isso é estranho e difícil. Por que temos que usar palavras que estão fora de uso há centenas de anos? Se exigirmos uma linguagem especial, iremos desencorajar crianças, membros novos e outros que estão aprendendo a orar’. Irmãos, a linguagem especial da oração é muito mais que uma sutileza da tradução das escrituras. Seu uso serve a um propósito importante e atual.”17Presidente Dallin H. Oaks, A Linguagem da Oração, Conferência Geral de Abril de 1993
Percebam que a orientação não é por orações com rebuscamento das palavras ou eloquência forçada. O mesmo Presidente Oaks afirmou: “Não pedimos orações formosas e prolixas. (…) Nossas orações devem ser simples, diretas e sinceras.”18Presidente Dallin H. Oaks, A Linguagem da Oração, Conferência Geral de Abril de 1993
É claro que muitos são novos na Igreja e podem ter alguma dificuldade inicial em usar as palavras adequadas durante a oração. Do mesmo modo, as crianças podem ter esta mesma dificuldade. Tudo bem. “Tenho certeza de que nosso Pai Celestial, que ama todos os seus filhos, ouve todas as orações e responde a elas, independentemente de como são proferidas. Se ele está ofendido com relação a orações, é mais provável que seja pela ausência delas do que pela fraseologia que contêm”19Presidente Dallin H. Oaks, A Linguagem da Oração, Conferência Geral de Abril de 1993, ensinou o Presidente Dallin H. Oaks.
E ele completou: “Nossos primeiros esforços serão ouvidos com alegria por nosso Pai Celestial, não importando sua linguagem. Serão também desse modo ouvidos pelos membros dedicados de nossa Igreja. À medida que ganhamos experiência como membros de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, porém, precisamos tornar-nos mais maduros em todos os esforços, incluindo as orações. Homens e mulheres que desejarem demonstrar respeito, esforçar-se-ão por aprender a linguagem especial da oração. (…) Na verdade, já fazemos mais de 75% da oração ao substituir você e seu por tu e teu.”20Presidente Dallin H. Oaks, A Linguagem da Oração, Conferência Geral de Abril de 1993
Talvez prevendo uma eventual relutância em alguns em “concentrar-se no que é excelente”21Élder Dallin H. Oaks, Bom, Muito Bom, Excelente, Conferência Geral de Outubro de 2007 na linguagem da oração, o próprio Presidente Oaks fez uma analogia para nos ajudar a compreender a importância da linguagem correta na oração. Ele disse: “Quando vamos a um templo ou à capela para uma reunião religiosa, deixamos nossas roupas de trabalho de lado e vestimo-nos com algo melhor. Essa mudança de vestuário é um sinal de reverência. Similarmente, quando nos dirigimos ao Pai Celestial, devemos evitar as palavras comuns e revestir nossas orações de uma linguagem especial de amor e respeito. Durante uma oração, os membros de nossa Igreja não se dirigem ao Pai Celestial com as mesmas palavras que usam ao falar com um companheiro de trabalho, um empregado, empregador ou comerciante no mercado. Usamos palavras especiais, santificadas pelo uso em comunicações inspiradas, palavras que nos foram recomendadas e exemplificadas por aqueles que apoiamos como profetas e professores inspirados.”22Presidente Dallin H. Oaks, A Linguagem da Oração, Conferência Geral de Abril de 1993
Não foi sem propósito que o Presidente Dallin H. Oaks fez esta analogia da nossa linguagem com o nosso vestuário. Sim, o modo como nos vestimos e nos adornamos (penteados e adereços, por exemplo) é causa e consequência do modo como falamos. Como nos vestimos para as reuniões dominicais da Igreja, em especial, reflete o nosso sentimento sobre a santidade daquele ambiente e do momento sagrado pelo qual deveremos passar durante a ministração do sacramento, em comunhão com a Deidade.
É claro que, na maioria dos casos, as pessoas querem apenas sentirem-se bem, e não têm qualquer intenção de tratar uma reunião religiosa com menos respeito do que ela merece. Porém, mesmo quando nosso descuido não é intencional, devemos estar dispostos a abandonar a prática inadequada. Do contrário, demonstraremos que o nosso desejo é de colocar o nosso “estilo” de vestuário acima do que os profetas do Senhor têm nos orientado a fazer neste sentido, deixando claro ao Senhor a opinião de quem realmente importa para nós. Não impomos nosso “estilo” ao Senhor, mas nos adaptamos ao “estilo” Dele, seja na aparência, seja na linguagem ou em qualquer outro aspecto da nossa vida.
Falando sobre isso, o Élder Jeffrey R. Holland nos ensinou: “Da forma mais pessoal possível, devemos nos lembrar de que Cristo morreu em decorrência de um coração quebrantado por carregar completamente sozinho em seus ombros os pecados e as tristezas de toda a família humana. Uma vez que nós contribuímos para esse inevitável fardo, tal momento é digno de respeito. Assim, somos incentivamos a chegar cedo e reverentemente às reuniões, vestidos de modo apropriado para participar de uma ordenança sagrada. A expressão ‘melhores roupas de domingo’ perdeu um pouco de seu significado em nossa época e, em consideração a Ele em cuja presença comparecemos, devemos restaurar a tradição das roupas de domingo e do asseio quando e onde pudermos.”23Élder Jeffrey R. Holland, Eis aqui o Cordeiro de Deus, Conferência Geral de Abril de 2019
Quando eu era um diácono, aos 12 anos de idade, frequentava, sem minha família, as reuniões dominicais da Igreja, que tinham início às 7 horas da manhã. Eu morava na periferia de Aracaju, no Sergipe, distante do centro da cidade, onde ficava a casa alugada que nos servia de capela naqueles tempos. Apesar dessas circunstâncias, nunca me atrasei para as reuniões. Lembro que, em um domingo, o presidente do Distrito discursava na reunião sacramental e, ao me ver sentado na primeira fileira de cadeiras, me chamou à frente, me colocou diante de todos e, mostrando cada parte do meu vestuário, disse: “Sapatos sociais limpos, meias sociais, calças sociais, camisa branca por dentro das calças, cinto, gravata discreta e cabelos penteados. Assim deve se apresentar um portador do Sacerdócio.” Isso foi há quase 40 anos mas, como podem ver, não pude esquecer.
Sem dúvida, vestir-me o mais adequadamente possível (embora sem qualquer luxo) desde a minha juventude foi algo crucial para que eu mantivesse uma linguagem respeitosa em toda a minha vida. Do mesmo modo, sem dúvida, usar uma linguagem respeitosa desde a minha juventude foi algo crucial para que eu mantivesse um padrão adequado de vestuário em toda a minha vida. A união desses dois elementos foi essencial para definir a minha espiritualidade. Estas coisas estão interligadas e merecem nossa atenção.
Como ensinou Alma: “Aprende sabedoria em tua mocidade”.24Alma 37:35 Que todos possamos aprender sabedoria agora e “uma nova língua, a língua dos anjos”25Élder Jeffrey R. Holland, A Língua dos Anjos, Conferência Geral de Abril de 2007 ou, em outras palavras, a linguagem pura e impoluta que nos tornará mais semelhantes ao nosso Senhor Jesus Cristo.
Referências
1 | Algernon Swinburne, A Study of Ben Jonson, org. Sir Edmund Gosse e outros, 1926, p. 120, citado por Élder Douglas L. Callister, Nosso Refinado Lar Celestial, A Liahona, junho de 2009 |
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2 | Guia para Estudo das Escrituras, Linguagem |
3 | Guia para Estudo das Escrituras, Língua |
4 | Moisés 6:6 |
5 | Regras de Fé 1:13 |
6 | Élder Douglas L. Callister, Nosso Refinado Lar Celestial, A Liahona, junho de 2009, extraído de um discurso devocional proferido na Universidade Brigham Young em 19 de setembro de 2006. |
7 | Tópicos do Evangelho, Profanidade |
8 | Élder Douglas L. Callister, Nosso Refinado Lar Celestial, A Liahona, junho de 2009, extraído de um discurso devocional proferido na Universidade Brigham Young em 19 de setembro de 2006. |
9 | Mateus 5:48 |
10 | Presidente Dallin H. Oaks, A Linguagem da Oração, Conferência Geral de Abril de 1993 |
11 | Élder Douglas L. Callister, Nosso Refinado Lar Celestial, A Liahona, junho de 2009, extraído de um discurso devocional proferido na Universidade Brigham Young em 19 de setembro de 2006. |
12 | Doutrina e Convênios 68:28 |
13 | Manual Geral: Servir em A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, 29.6 – Orações nas reuniões da Igreja |
14 | Doutrina e Convênios 25:12 |
15 | Hinos de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, 61 – Careço de Jesus |
16 | Hinos de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, 134 – Sim, Eu Te Seguirei |
17 | Presidente Dallin H. Oaks, A Linguagem da Oração, Conferência Geral de Abril de 1993 |
18 | Presidente Dallin H. Oaks, A Linguagem da Oração, Conferência Geral de Abril de 1993 |
19 | Presidente Dallin H. Oaks, A Linguagem da Oração, Conferência Geral de Abril de 1993 |
20 | Presidente Dallin H. Oaks, A Linguagem da Oração, Conferência Geral de Abril de 1993 |
21 | Élder Dallin H. Oaks, Bom, Muito Bom, Excelente, Conferência Geral de Outubro de 2007 |
22 | Presidente Dallin H. Oaks, A Linguagem da Oração, Conferência Geral de Abril de 1993 |
23 | Élder Jeffrey R. Holland, Eis aqui o Cordeiro de Deus, Conferência Geral de Abril de 2019 |
24 | Alma 37:35 |
25 | Élder Jeffrey R. Holland, A Língua dos Anjos, Conferência Geral de Abril de 2007 |